Resenha: Crime e Castigo – Fiódor Dostoiévski

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Por Jonatas Brito


Abrindo larga passagem à literatura russa em nosso humilde blog, temos a honra e a ousadia de comentar sobre a obra de um dos maiores escritores de todos os tempos, um dos pais do Existencialismo (movimento filosófico cultural que defende a liberdade e responsabilidade individual do ser humano), um dos romancistas mais realistas que já pisou nesta terra e autor das principais obras que figuram entre as mais importantes e mais lidas em todo o mundo. Estamos falando de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821 – 1881).

Há um notório detalhe na vida de Dostoiévski que teve influência direta em suas obras: durante sua juventude, ele fez parte de um grupo conspiratório opositor ao czar russo Nicolau I. Após sua prisão em 1849, ele e seu grupo revolucionário foram condenados à morte por fuzilamento. No momento da execução da sentença, é chegada uma ordem do czar suspendendo a execução e convertendo-a em prisão com trabalhos forçados. Esse fato fez Dostoiévski repensar sobre sua vida e por essa e outras razões seus romances são tão carregados de realismo, dor, sofrimento e desespero.

Crime e Castigo, romance publicado em 1866, conta a história de Raskólnikov. Jovem estudante que larga a universidade por não conseguir custeá-la. Pobre e miserável, mal consegue manter-se na cidade de São Petersburgo, Rússia.  Sobrevive do dinheiro que sua mãe lhe envia mensalmente e do pouco que consegue penhorando alguns objetos pessoais com uma velha senhora agiota. Vivendo em baixíssimas condições de vida, Raskólnikov, muito inteligente e culto, criou para si uma teoria: ele classificou a humanidade em dois tipos de pessoas: as Ordinárias e as Extraordinárias. As ordinárias são aquelas que nasceram para viver subjugadas à lei. As extraordinárias são aquelas que se dão ao direito de infringir a lei se sua causa pleitear um bem maior, que favoreça a humanidade. Como Napoleão, que dizimou milhares de vidas e ainda assim foi reconhecido como um herói nacional.

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Fiódor Dostoiévski

Partindo desse princípio, Raskólnikov – julgando-se um ser extraordinário – decide assassinar e roubar a velha agiota e, com o dinheiro do roubo, planeja voltar à universidade. Porém algo de inesperado ocorre durante o crime e, nesse momento – na forma como Dostoiévski narra com precisão os fatos – que começamos a mergulhar profundamente na mente do criminoso. Suas dores tornam-se as nossas dores. Compactuamos com seu sofrimento e desespero. Sentimos na pele suas angústias, somos envolvidos por seus delírios e pelo mesmo sentimento de culpa que, assim como ele, não nos deixa dormir tranquilos à noite. Apesar do romance ser narrado em terceira pessoa, o leitor não se sente um espectador, mas o próprio protagonista. O próprio assassino.

Dostoiévski exprime com perfeição toda a angústia psicológica que acomete Raskólnikov após o crime. As cenas são febris e dramáticas. O autor tem a capacidade de potencializar o homem tanto para o bem como para o mal, para o que é certo e o que é errado; levantando questões extremas da raça humana, analisando o crime sob diversos pontos de vista, ora justificando-o, ora condenando-o. Os diálogos são sensacionais. Em cada parágrafo há um conteúdo a ser absorvido, estudado, analisado. Todos os personagens possuem características fortes, marcantes, únicas. Como se cada um constituísse a própria consciência de Raskólnikov. Como se eles fossem, na verdade, as várias vozes em sua mente conturbada e doentia. Seu final é, sem sombra de dúvida, espetacular.

Hum… à casa de Razumíkhin – pronunciou de repente com absoluta calma, como se desse o sentido de uma decisão definitiva – , eu vou à casa de Razumíkhin, isso está claro… só que não agora… À casa dele… vou outro dia, depois daquilo, quando aquilo já estiver terminado e tudo tomar um novo rumo…

É inevitável ler Crime e Castigo e não tecer um divisor de águas em nossa literatura cotidiana. Raríssimas obras conseguem acorrentar o leitor da primeira à última palavra e fazê-lo repensar seus conceitos, ideologias e forma de ver o mundo como este romance consegue de modo tão magistral. Definitivamente, não entendo como passei tanto tempo sem lê-lo. Com certeza, uma obra ímpar no cenário literário mundial. Uma referência com forte poder político, filosófico, ético e moral que o torna leitura obrigatória e indispensável para todo bom leitor. Para todo ser pensante.

Conselho: À quem desejar mergulhar de corpo e alma nesta rica obra, aconselhamos adquirirem o exemplar da Editora 34, cuja tradução para o português foi realizado diretamente do russo, ao contrário de outras editoras que realizaram a tradução da tradução (traduziram a obra do francês e do alemão, que por sua vez traduziram do russo).

Título: Crime e Castigo
Autor: Fiódor Dostoiévski
Editora: 34
Ano: 2010
Páginas: 561

11 comentários sobre “Resenha: Crime e Castigo – Fiódor Dostoiévski

  1. Fiquei interessada em ler Dostoiévski. Vou começar por ‘Irmãos Karamázov’ e depois ‘crime e castigo’, 2 clássicos do autor, e depois continuarei. Quero te perguntar sobre esta frase que li em outro livro de outro autor falando do Dostoieévski: ” Uma experiencia de encantamento pode salvar uma criança”. Você sabe me dizer em que obra está?
    grata pela atenção
    Sonia 20/11/2017

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    • Olá Sonia, tudo bem?
      Fico feliz pelo seu interesse em ler dostoiévski. Ele é o meu escritor favorito.
      Por tratar-se de um autor de uma leitura densa, profunda e de alto teor psicológico, lhe recomendo começar essa jornada dostoievakiana através de suas novelas: noites brancas, gente pobre, memórias do subsolo, o jogador…
      Assim, posteriormente, você poderá encarar com mais determinação os seus grandes romances. Mas é só um conselho de um admirador de Dostoiévski que quer que você tenha uma experiência única com sua leitura. Você não irá se arrepender. 😉

      Quanto à frase que você destacou, infelizmente não sei de qual obra se trata. 😊

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  2. Acabei de descobrir este blog, enquanto tomava fôlego da leitura de Crime e Castigo. Impossível ficar indiferente ante o poder desse escritor magnífico. Ele exige tudo de você na leitura, e você sai outra pessoa dessa experiência. Só os grandes autores conseguem isso! Parabéns pelo texto. Abraços

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  5. Como não se render aos encantos desse mestre?!!
    Como não enxergar a vida com outros olhos após o divisor de águas?
    Rsrsrrsrsr… Parabéns pelo texto!! Muito bem escrito!!!

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    • Muito obrigado Elaine. Realmente é impossível, depois de ler Crime e Castigo, não se render à esse universo dostoiévskiano! Gostei muito de seu blog e de sua resenha de Os Irmãos Karamázov. Já está em minha lista de leituras!

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      • Que legal!!! Também já estou seguindo o Garagem Literária!!! 😀
        Ainda não li O Idiota, mas tão logo o faça, volto aqui para trocarmos figurinhas!!
        Abração

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