Por Jonatas Brito
O que torna um livro um clássico?
Embora seja uma pergunta subjetiva, uma das principais razões que faz de um livro um clássico, com certeza, é a sua atemporalidade. São livros que, mesmos escritos há séculos e em um contexto totalmente diverso do atual, continuam influenciando leitores e autores em seu modo de pensar, de escrever e de enxergar o mundo ao seu redor. Tais livros são como vinho: quanto mais velho, melhor. Mesmo com o passar do tempo, sua leitura continua nos causando impacto. E dentre os diversos clássicos que este mundo já produziu, 1984, de George Orwell, com certeza, é um de seus principais representantes.
Publicado em 1949 – durante uma crise de tuberculose que vitimou o autor um ano depois – 1984 é um romance intenso, perturbador e que tira completamente o leitor de sua zona de conforto (em muitos momentos eu interrompi a leitura, dei aquela respirada pra recuperar o fôlego e retomei-a com a cara e a coragem!). Não é pra menos que esta obra faz parte dos quatro romances de distopias clássicas da história. Totalmente oposto do que os jovens entendem hoje como distopia, como Jogos Vorazes, Maze Runner, Divergente e Cia., que possuem 5% de reflexão e 95% de entretenimento (nada contra, entendam!), Orwell cria uma obra tão poderosa e com uma alta capacidade de alertar-nos e abrirmos os olhos para o que realmente é relevante em nossa sociedade, em nossos conceitos e modos de vida. Um verdadeiro soco no estômago e na nossa consciência.
George Orwell
É em um continente fictício chamado Oceânia – uma das três superpotências geopolíticas do mundo, junto com a Eurásia e a Lestásia – que Orwell nos apresenta Winston Smith, nosso “herói”. Na verdade, um funcionário medíocre e insignificante que trabalha no Ministério da “Verdade”, cuja função era justamente o oposto: mentir, adulterando qualquer informação da mídia contrária aos interesses do Partido, grupo político que governa o referido continente. Winston é um funcionário como todos os demais, com uma pequena diferença: há em seu coração uma fagulha de inconformidade, um leve incômodo de que algo ao seu redor está errado. Orwell nos convida a acompanhar Winston em suas andanças pelas ruas sombrias e inóspitas de Oceânia. Apenas ele, seus pensamentos e os “proletas”, grupo da mais baixa camada social existente na Oceânia. As paredes estão repletas de panfletos que estampam a figura que representa o Partido: o Grande Irmão. E em cada panfleto a frase “O Grande Irmão Está de Olho em Você”. Em cada canto de cada rua há as chamadas “teletelas”, responsáveis por veicular incessantemente propagandas e estatísticas manipuladas pelo Partido além de, principalmente, monitorar cada passo dos cidadãos, observando e recriminando qualquer ato suspeito, por mais ínfimo que seja. A sociedade é completamente alienada. Acredita (ou são forçados a acreditar) em tudo que o Partido declara, mesmo nas mentiras mais descaradas possíveis. O estado de guerra é constante, ora contra a Eurásia, ora com a Lestásia. Isso faz com que o Partido mantenha um clima de medo entre os proletas e sufoque qualquer possível rebelião. E os poucos que, de alguma forma, são vistos como ameaça ao governo são eliminados e seus rastros apagados da história. As relações sexuais são controladas e realizadas só, e somente só, para fins reprodutivos. Uma nova gramática está sendo desenvolvida – a Novafala – cujo objetivo é inviabilizar todas as outras formas de pensamento, retirando do vocabulário qualquer palavra que apresente risco às ideologias do Socing (o sistema de governo vigente em Oceânia).
“o Grande Irmão Está de Olho em Você”
Winston inicia sua “pequena rebelião” adquirindo ás escondidas uma caderneta e fazendo perigosas anotações fora do campo de visão da teletela. Sua esperança é que, um dia, os proletas se voltem contra o sistema e consigam derrubar o Socing. Nesta aventura ele conhece outros personagens como Júlia e O’Brien que são fundamentais para o desenvolvimento da trama. Então prepare-se, pois esse é um romance recheado de amor, ódio, esperança, descobertas, traição e torturas, muitas torturas.
Certa feita, o pensador Platão disse que “quem não gosta de política é governado por quem gosta”. E eu, ao concluir a leitura de 1984 e mesmo não sendo um ativista político, me senti totalmente incomodado com a certeza de que, certamente, estou sendo governado por pessoas que agem tal qual o Grande Irmão, e que não posso e não conseguirei simplesmente dar as costas a tudo de errado que tão claramente ocorre ao meu redor. O que devo fazer? Não sei. Nem Winston sabia. Mas é impossível ler essa obra orwelliana e não sentir-se fortemente impelido a lutar contra todas as mazelas de nosso mundo e contra todo e qualquer regime totalitário que nos seja imposto.
Enquanto eles não se conscientizarem, não serão rebeldes autênticos e, enquanto não se rebelarem, não têm como se conscientizar.
George Orwell foi um profeta que previu catástrofes políticas e sociais em um futuro não tão distante de sua realidade e da qual há muito tempo vivenciamos. Mais impactante e sufocante que o próprio contexto do romance, foi o efeito devastador que esse tipo de leitura me causou. Foi aterrador constatar que somos apenas um pontinho preto frente a esse mundo perverso, tirano, opressor. Somos bombardeados por informações manipuladas e tendenciosas o tempo todo. Governados por políticos que querem perpetuar-se no poder apenas pelo poder. Monitorados por câmeras, voluntariamente ou não, dentro e fora de casa. Sob a necessidade de nossa segurança, perdemos toda a privacidade.
Tudo acontece nesse romance de tirar o fôlego do leitor. Somos envolvidos em uma via única e crescente de absurdos e bizarrices. Levados a crer que, de fato, se algo já está ruim, com certeza pode piorar. Não há mais nada a dizer. Apenas jogue-se de cabeça nessa história e, caso sobreviva, volte aqui para contar sua experiência.
Título: 1984
Autor: George Orwell
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2009
Páginas: 414